"MANUEL CARGALEIRO trouxe à pintura, e também à cerâmica, emoção estética, a força anímica da cor e uma pessoalíssima erudição que justamente lhe granjearam já lugar cimeiro no mundo artístico, nacional e internacional. Para os amigos, entre os quais nos encontramos, MANUEL CARGALEIRO trouxe – além do que cada um, em si próprio, guarda – a criatividade poética e dignificante com que vive o seu dia-a-dia."
Maria da Glória Garcia – Lisboa, março de 2018.
“Podermos celebrar os 90 anos, quem diria de alguém e em especial os 90 anos de um grande artista português, é suficiente motivo de alegria. Mas celebrarmos Manuel Cargaleiro, é também revisitarmos uma parte importante das nossas memórias, visuais e afectivas. Artista completo, dedicou-se com intensidade à cerâmica, à pintura, ao desenho, à escultura, à gravura e aos têxteis. Por isso, é injusto dizer-se, embora seja frequente, que pensamos acima de tudo, em Mestre Cargaleiro como ceramista, um dos maiores na arte dos azulejos.É injusto porque foi completo em tudo. E até pioneiro, em termos de acesso democrático, diríamos assim, antes mesmo da democracia, às artes plásticas com a aposta que fez no domínio da gravura. Mas o que é facto é que nos lembramos de Cargaleiro ligado à cerâmica, aos azulejos, porque isso estabeleceu entre ele e a imagem das nossas cidades uma relação muito íntima, jardins, igrejas, estações de metro, bancos, inúmeros espaços e edifícios têm a sua marca, uma marca portuguesa dessa arte da qual se tornou um dos expoentes. Dele disse, a sua tão querida Maria Helena Vieira da Silva, que possui a técnica perfeita, a medida certa, as cores raras, traços que fazem de uma obra de Cargaleiro uma forma de celebração. Para muitos ele é um abstracionista, ou pelo menos um abstrata, eu sei que não se considera como tal, abstratizante, mesmo quando tem sido sempre a sua defesa, não é, é um figurativo diferente, construindo na vertical e na horizontal, de modo geométrico, expressivo, muitas vezes em diálogo com artistas que admirou e do qual ou dos quais é tributário como Robert Delaunay, Sónia Delaunay, Ernst e Klee. Eu próprio tenho dificuldade, sendo um admirador há longas décadas, em encontrar uma definição abstracionista, por exemplo, num painel para o qual olho dia sim dia sim, chamado “Jerónimos”, porque lá se encontra a representação, esse grande monumento da portugalidade, mas uma representação geométrica, deplorada, estilizada, construída. Paris foi como que a abertura para a sua segunda pátria, uma pátria onde viveu e tem vivido, repartido pelo mundo e onde deixou o traço da portugalidade também, e por isso lhe agradecemos, mas ao mesmo tempo nunca esqueceu a sua primeira pátria, num empenhamento educativo e cívico, na sua Fundação, no seu Museu, na sua vontade de estar presente na arte portuguesa, de dar a ver e ensinar outros a ver. Já lá vão alguns anos, nos idos de quarenta, Manuel Cargaleiro estreava-se na exibição pública dos seus trabalhos, 70 anos, um pouco mais entretanto decorridos, tornou-se e é há muito um dos nossos artistas fundamentais, imediatamente reconhecível e unanimemente admirado. Por isso o Estado Português não podia deixar de o homenagear galardoando-o devidamente. Manuel Cargaleiro muitos parabéns e muito obrigado”
Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa – Lisboa, 16 de março de 2017.
“Manuel Cargaleiro é pintor, é ceramista, ninguém pode duvidar, mas o que talvez nem todos os olhos saibam ver, é a profundidade da sua obra. Do pintor de uma técnica perfeita, de uma medida certa, de cores raras, vai nascendo lentamente, uma obra monumental que a estação da Luz, veio confirmar, que os seus últimos quadros grandes, nos mostram. É a realização de um talento natural que se foi formando pouco a pouco. É o mistério dos grandes corredores Azuis que nos levam em viagem muito longe... É a luz etérea dos painéis brancos. Por tudo isso é natural que nem todos o possam compreender.”
Maria Helena Vieira da Silva – Lisboa, 28 de janeiro de 1989.
“Eis-me aqui em frente da arte de Cargaleiro; e deste modo, o primeiro sentimento que me toma é o de gratidão porque ela exista”
Vergílio Ferreira – In Catálogo "60 anos a celebrar a cor".
“Azulejos, talvez! Flores, varandas, cidades – não sei. Mas o que sei é o que o campo magnético da alma humana está aqui, pronto a entrar em movimento, a receber e a produzir mensagens, a traduzir uma maneira nova de conhecimento”
Agustina Bessa Luís – In Catálogo "60 anos a celebrar a cor".
“Manuel Cargaleiro é a pessoa mais incapaz de maldade que conheço. Os seus olhos estão focados para o que há de bom nos outros e na vida. A sua visão do mundo é luminosa. A perversidade pode passar ao lado, engalanada; as suas cores não estão naquela paleta rigorosa. Por isso, cada obra que lhe sai das mãos é para sempre imune ao embaciamento, ou à fractura. Tem a preciosidade e a presença de uma joia, de um esmalte antiquíssimo ou de uma matéria de súbito inventada..."
Álvaro Siza – In Catálogo "Obra Gravada 1954 | 2009".
“(...)Lembro-me bem de uma tarde, em Castelo Branco, em longa conversa de roda livre com o pintor, ele ter regressado aos prazeres da memória e à infância, à emoção do tempo inicial, e me ter dito quanto esse território de afetos ficara preso à sua obra, ao imaginário das cores, às plantas, às vivências, ao conhecimento do mundo. O seu rosto iluminou-se num sorriso largo: - Sim, as cores da Beira estão sempre presentes nos meus olhos. A terra faz parte do coração... “
Fernando Paulouro Neves – In Catálogo "Vida e Obra", 2012.
“Há na obra de Cargaleiro um segredo que se desdobra, com elegância e ingenuidade, e se partilha, em empatia cúmplice, na interioridade do olhar. Para uns, é a luz que paira e se perde para lá dela própria nos meandros da aragem fresca da madrugada ou no calor que acolhe e aconchega. Para outros, a pauta alargada dos sons que se unem e separam, saltitando e enredando a vida em permamente harmonia... “
Maria da Glória Garcia – In Catálogo "Obra Gravada 1954 | 2009".
“Quando o jovem Manuel Cargaleiro – tinha então 27 anos – chega a Paris em 1954, a prestigiada “Ecole de Paris”. (....) . Manuel vai regularmente à Galerie Edouard Loeb assim como às animadas e festivas soirées, para as quais Edouard convida os seus amigos e artistas. Sociável, agradável, naturalmente afetuoso ele está completamente à vontade.(...)
Na galeria, Cargaleiro conhece Nathalie Gontcharova e o seu marido Larionov, “inventores” do rayonnisme. A pintura deles bem como a de Bissère, influenciaram-no decisivamente. A sua obra pictórica floresce. Mais tarde, dirá “nasci como pintor em Paris”. E de facto ele pertence por mérito à “Ecole de Paris”.
Albert Loeb – In Catálogo "Vida e Obra", 2012.
“Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir – digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.
O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos factos e punham-se por uma ordem, a saber:
1º - o peixe, cor vermelha, pintor, em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor;
2º - o peixe, cor preta, pintor, em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existe apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisasa como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.
Por isso é que Cargaleiro é exemplar e fascinante.”
Herberto Hélder – In Catálogo "Manuel Cargaleiro, Galeria de Arte Dinastia, 4 a 23 de Março de 1968".