Manuel Cargaleiro
A Fundação Manuel Cargaleiro celebra e preserva a obra do mestre Manuel Cargaleiro, promovendo a arte e a cultura através do seu vasto acervo. Com sede em Castelo Branco, dedica-se à divulgação, estudo e valorização da criação artística contemporânea, com destaque para a cerâmica e a pintura.
Manuel Cargaleiro nasceu a 16 de março de 1927, em Chão das Servas, Vila Velha de Rodão, no distrito de Castelo Branco. Em 1940, ingressou na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e participou na Primeira Exposição Anual de Cerâmica, no Palácio Foz, em Lisboa, onde realizou igualmente a sua primeira exposição individual de cerâmica, no ano de 1952.
O ano de 1954 foi marcante na carreira artística de Manuel Cargaleiro: recebeu o Prémio Nacional de Cerâmica Sebastião de Almeida, iniciou funções de professor de Cerâmica na Escola de Artes Decorativas António Arroio e apresentou as suas primeiras pinturas a óleo no Primeiro Salão de Arte Abstracta, na Galeria de Março, dirigida por José Augusto França.
Beneficiando de bolsas de estudo obtidas através da Fundação Calouste Gulbenkian, Manuel Cargaleiro estuda a arte da cerâmica primeiro em Faença, Roma e Florença, na Itália, mais tarde em Gien, em França. E, no final dos anos cinquenta, fixa residência em Paris, onde ainda reside.
A reputação artística, nacional e internacional de Manuel Cargaleiro, seja como ceramista seja como pintor, cresce ao longo das décadas de sessenta e setenta através de inúmeras exposições, individuais e coletivas, e de múltiplas encomendas de obras públicas e privadas. A sua consagração plena chega nos anos oitenta com uma obra singular, em que a cor e a expressividade lírica adquirem linguagem própria, de autor. Está representado em museus e coleções particulares espalhadas pelo mundo.
Em França, desde 1995, que a estação do Metro de Paris dos Champs Elysées- Clemenceau tem a sua arte e, em Itália, em 1999, recebe o primeiro prémio no concurso internacional Viaggio attraverso la Ceramica. Em 2004, inaugura um Museu com o seu nome em Vietri Sul Mare, que se instala em 2015, em Ravello-Fondazione Museo Manuel Cargaleiro.
Em Portugal, inaugura em 2005, o Museu Cargaleiro, em Castelo Branco, e em 2016, inaugura, a Oficina de Artes Manuel Cargaleiro, projeto da autoria do arquiteto Siza Vieira, no Seixal.
De entre os vários prémios e distinções que recebeu ao longo da sua carreira, destacamos as mais recentes: a de Comendador da Ordem Militar de Sant´Iago da Espada pelo Presidente da República General Ramalho Eanes(1983), a Grã-Cruz da Ordem do Mérito pelo Presidente da República Mário Soares(1989) e a Grã-Cruz do Infante D. Henrique pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa(2017). No dia 1 de setembro desse ano, em Itália, foi-lhe atribuído o título de Magister di Civiltà Amalfitana por ocasião da XVII, edição do Capodanno Bizantino. Em 2019, recebe as medalhas de Mérito Cultural de Portugal e a Grand Vermeil, a mais alta condecoração da capital francesa. Em 2022, é-lhe atribuído o doutoramento honoris causa, pela Universidade da Beira Interior, e a medalha de honra da cidade de Lisboa. Em março de 2023, recebe as insígnias da Grã-Cruz da Ordem de Camões, pelo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Recebe também nesse ano a distinção honorífica da Associação Portuguesa de Cidades e Vilas de Cerâmica(AptCVC). A 16 de março de 2024, inaugura no Museu Cargaleiro em Castelo Branco, a exposição “Cargaleiro- Guaches| Gouaches”, no dia do seu 97º aniversário.
O artista Manuel Cargaleiro encontra-se representado em permanência na prestigiada Hélene Baily Gallery, em Paris
Faleceu no dia 30 de junho de 2024, aos 97 anos de idade.
“Comecei a minha vida de artista como ceramista e sou ceramista mesmo quando faço pintura a óleo. Não consigo imaginar uma coisa sem a outra. As minhas duas práticas, claro que se influenciam mutuamente. Não posso esquecer todos os meus conhecimentos sobre a história da faiança ou sobre a decoração mural quando pinto, assim como não esqueço a minha cultura pictórica quando crio em cerâmica. Está tudo muito ligado, e é isso que constitui a minha especificidade. Eu não copio os meus quadros nos azulejos: pinto diretamente sobre a faiança, sem desenho prévio, como numa tela.”
Manuel Cargaleiro
In LASCAUT, Gilbert (2003). Manuel Cargaleiro: Lisbonne-Paris, 1950-2000: peintures/pinturas. Paris: Éditions Palantines.
Monografias / Notas Biográficas
Manuel Cargaleiro condecorado com a "Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique", pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Fotografia da Presidência da República, Lisboa, 2017.
Prémios e Condecorações / Testemunhos
Prémios
Prémio Sebastião de Almeida atribuído pelo "Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo" (SNI), em 1954.
Diplome d'Honneur de l'Académie Internationale de la Céramique, no Festival de Cerâmica, em Cannes, no ano de 1955.
1.º prémio do concurso para o revestimento em cerâmica dos edifícios da Cidade Universitária de Lisboa, em 1955 [projeto não concretizado].
Troféu Lusíada, atribuído anualmente pelo "Elos Clube", às individualidades que se distinguiram na divulgação de Portugal no estrangeiro, em 1984.
1.º Grande Prémio Internacional Viaggio attraverso la Cerâmica de Vietri sul Mare, em Itália, em 1999.
Prémio Projeto Internacional pelos Museus/Fundações Manuel Cargaleiro, em Portugal e na Itália, pela "Associação Portuguesa de Museologia" (APOM), em 2012.
Prémio extra concurso Obra de Vida, do projeto "SOS Azulejo", dedicado à salvaguarda e valorização do património azulejar português e coordenado pelo Museu da Polícia Judiciária, atribuído em 2015.
Prémio Turismo Centro de Portugal, uma distinção que evidencia uma personalidade que muito tem contribuído para o desenvolvimento e notoriedade do turismo e da região Centro de Portugal, em 2019
Prémio Envelhecimento Ativo Dr.ª Maria Raquel Ribeiro na categoria Arte e Espectáculo, atribuído pela Associação Portuguesa de Psicogerontologia, em 2019-
Condecorações
Comendador da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada de Portugal, agraciado pelo Presidente da República, General Ramalho Eanes, em 30 de junho de 1983.
Grau de Officier des Arts et des Lettres, atribuído pelo governo francês, em 1984.
Grã-Cruz da Ordem do Mérito, condecorado pelo Presidente da República, Dr. Mário Soares, em 4 de fevereiro de 1989.
Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, condecorado pelo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em 16 de março de 2017.
Magister di Civiltà Amalfitana, atribuído na XVII edição do “Capodanno Bizantino”, em Itália, no dia 1 de setembro de 2017.
Medalha de Mérito Distrital de Setúbal, em 1991.
Medalha de Ouro da Câmara Municipal de Almada, em 1994.
Medalha de Honra do Seixal, em 1999.
Medalha de Ouro do Concelho de Vila Velha de Ródão, em 2014.
Medalha de Ouro do Concelho de Castelo Branco, em 2017.
Medalha de Mérito Cultural, atribuída pelo Primeiro Ministro Dr.º António Costa e pela Ministra da Cultura Dr.ª Graça Fonseca, em Paris, 2019
Medalha Grand Vermeil, atribuida pela Presidente de Câmara de París Anne Hidalgo, em Paris, 2019
Grã-Cruz da Ordem de Camões, condecorado pelo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, em 16 de fevereiro de 2023.
"MANUEL CARGALEIRO trouxe à pintura, e também à cerâmica, emoção estética, a força anímica da cor e uma pessoalíssima erudição que justamente lhe granjearam já lugar cimeiro no mundo artístico, nacional e internacional. Para os amigos, entre os quais nos encontramos, MANUEL CARGALEIRO trouxe – além do que cada um, em si próprio, guarda – a criatividade poética e dignificante com que vive o seu dia-a-dia."
Maria da Glória Garcia - Lisboa, março de 2018.
“Podermos celebrar os 90 anos, quem diria de alguém e em especial os 90 anos de um grande artista português, é suficiente motivo de alegria. Mas celebrarmos Manuel Cargaleiro, é também revisitarmos uma parte importante das nossas memórias, visuais e afectivas. Artista completo, dedicou-se com intensidade à cerâmica, à pintura, ao desenho, à escultura, à gravura e aos têxteis. Por isso, é injusto dizer-se, embora seja frequente, que pensamos acima de tudo, em Mestre Cargaleiro como ceramista, um dos maiores na arte dos azulejos.É injusto porque foi completo em tudo. E até pioneiro, em termos de acesso democrático, diríamos assim, antes mesmo da democracia, às artes plásticas com a aposta que fez no domínio da gravura. Mas o que é facto é que nos lembramos de Cargaleiro ligado à cerâmica, aos azulejos, porque isso estabeleceu entre ele e a imagem das nossas cidades uma relação muito íntima, jardins, igrejas, estações de metro, bancos, inúmeros espaços e edifícios têm a sua marca, uma marca portuguesa dessa arte da qual se tornou um dos expoentes. Dele disse, a sua tão querida Maria Helena Vieira da Silva, que possui a técnica perfeita, a medida certa, as cores raras, traços que fazem de uma obra de Cargaleiro uma forma de celebração. Para muitos ele é um abstracionista, ou pelo menos um abstrata, eu sei que não se considera como tal, abstratizante, mesmo quando tem sido sempre a sua defesa, não é, é um figurativo diferente, construindo na vertical e na horizontal, de modo geométrico, expressivo, muitas vezes em diálogo com artistas que admirou e do qual ou dos quais é tributário como Robert Delaunay, Sónia Delaunay, Ernst e Klee. Eu próprio tenho dificuldade, sendo um admirador há longas décadas, em encontrar uma definição abstracionista, por exemplo, num painel para o qual olho dia sim dia sim, chamado “Jerónimos”, porque lá se encontra a representação, esse grande monumento da portugalidade, mas uma representação geométrica, deplorada, estilizada, construída. Paris foi como que a abertura para a sua segunda pátria, uma pátria onde viveu e tem vivido, repartido pelo mundo e onde deixou o traço da portugalidade também, e por isso lhe agradecemos, mas ao mesmo tempo nunca esqueceu a sua primeira pátria, num empenhamento educativo e cívico, na sua Fundação, no seu Museu, na sua vontade de estar presente na arte portuguesa, de dar a ver e ensinar outros a ver. Já lá vão alguns anos, nos idos de quarenta, Manuel Cargaleiro estreava-se na exibição pública dos seus trabalhos, 70 anos, um pouco mais entretanto decorridos, tornou-se e é há muito um dos nossos artistas fundamentais, imediatamente reconhecível e unanimemente admirado. Por isso o Estado Português não podia deixar de o homenagear galardoando-o devidamente. Manuel Cargaleiro muitos parabéns e muito obrigado”
Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa – Lisboa, 16 de março de 2017.
“Manuel Cargaleiro é pintor, é ceramista, ninguém pode duvidar, mas o que talvez nem todos os olhos saibam ver, é a profundidade da sua obra. Do pintor de uma técnica perfeita, de uma medida certa, de cores raras, vai nascendo lentamente, uma obra monumental que a estação da Luz, veio confirmar, que os seus últimos quadros grandes, nos mostram. É a realização de um talento natural que se foi formando pouco a pouco. É o mistério dos grandes corredores Azuis que nos levam em viagem muito longe... É a luz etérea dos painéis brancos. Por tudo isso é natural que nem todos o possam compreender.”
Maria Helena Vieira da Silva – Lisboa, 28 de janeiro de 1989.
“Eis-me aqui em frente da arte de Cargaleiro; e deste modo, o primeiro sentimento que me toma é o de gratidão porque ela exista”
Vergílio Ferreira – In Catálogo "60 anos a celebrar a cor".
“Azulejos, talvez! Flores, varandas, cidades – não sei. Mas o que sei é o que o campo magnético da alma humana está aqui, pronto a entrar em movimento, a receber e a produzir mensagens, a traduzir uma maneira nova de conhecimento”
Agustina Bessa Luís – In Catálogo "60 anos a celebrar a cor".
“Manuel Cargaleiro é a pessoa mais incapaz de maldade que conheço. Os seus olhos estão focados para o que há de bom nos outros e na vida. A sua visão do mundo é luminosa. A perversidade pode passar ao lado, engalanada; as suas cores não estão naquela paleta rigorosa. Por isso, cada obra que lhe sai das mãos é para sempre imune ao embaciamento, ou à fractura. Tem a preciosidade e a presença de uma joia, de um esmalte antiquíssimo ou de uma matéria de súbito inventada..."
Álvaro Siza – In Catálogo "Obra Gravada 1954 | 2009".
“(...)Lembro-me bem de uma tarde, em Castelo Branco, em longa conversa de roda livre com o pintor, ele ter regressado aos prazeres da memória e à infância, à emoção do tempo inicial, e me ter dito quanto esse território de afetos ficara preso à sua obra, ao imaginário das cores, às plantas, às vivências, ao conhecimento do mundo. O seu rosto iluminou-se num sorriso largo: - Sim, as cores da Beira estão sempre presentes nos meus olhos. A terra faz parte do coração... “
Fernando Paulouro Neves – In Catálogo "Vida e Obra", 2012.
“Há na obra de Cargaleiro um segredo que se desdobra, com elegância e ingenuidade, e se partilha, em empatia cúmplice, na interioridade do olhar. Para uns, é a luz que paira e se perde para lá dela própria nos meandros da aragem fresca da madrugada ou no calor que acolhe e aconchega. Para outros, a pauta alargada dos sons que se unem e separam, saltitando e enredando a vida em permamente harmonia... “
Maria da Glória Garcia – In Catálogo "Obra Gravada 1954 | 2009".
“Quando o jovem Manuel Cargaleiro – tinha então 27 anos – chega a Paris em 1954, a prestigiada “Ecole de Paris”. (....) . Manuel vai regularmente à Galerie Edouard Loeb assim como às animadas e festivas soirées, para as quais Edouard convida os seus amigos e artistas. Sociável, agradável, naturalmente afetuoso ele está completamente à vontade.(...)
Na galeria, Cargaleiro conhece Nathalie Gontcharova e o seu marido Larionov, “inventores” do rayonnisme. A pintura deles bem como a de Bissère, influenciaram-no decisivamente. A sua obra pictórica floresce. Mais tarde, dirá “nasci como pintor em Paris”. E de facto ele pertence por mérito à “Ecole de Paris”.
Albert Loeb – In Catálogo "Vida e Obra", 2012.
Era uma vez um pintor que tinha um aquário e, dentro do aquário, um peixe encarnado. Vivia o peixe tranquilamente acompanhado pela sua cor encarnada, quando a certa altura começou a tornar-se negro a partir – digamos – de dentro. Era um nó negro por detrás da cor vermelha e que, insidioso, se desenvolvia para fora, alastrando-se e tomando conta de todo o peixe. Por fora do aquário, o pintor assistia surpreendido à chegada do novo peixe.
O problema do artista era este: obrigado a interromper o quadro que pintava e onde estava a aparecer o vermelho do seu peixe, não sabia agora o que fazer da cor preta que o peixe lhe ensinava. Assim os elementos do problema constituíam-se na própria observação dos factos e punham-se por uma ordem, a saber:
1º - o peixe, cor vermelha, pintor, em que a cor vermelha era o nexo estabelecido entre o peixe e o quadro, através do pintor;
2º - o peixe, cor preta, pintor, em que a cor preta formava a insídia do real e abria um abismo na primitiva fidelidade do pintor.
Ao meditar acerca das razões por que o peixe mudara de cor precisamente na hora em que o pintor assentava na sua fidelidade, ele pensou que, lá dentro do aquário, o peixe, realizando o seu número de prestidigitação, pretendia fazer notar que existe apenas uma lei que abrange tanto o mundo das coisasa como o da imaginação. Essa lei seria a metamorfose. Compreendida a nova espécie de fidelidade, o artista pintou na sua tela um peixe amarelo.
Por isso é que Cargaleiro é exemplar e fascinante.”
Herberto Hélder – In Catálogo "Manuel Cargaleiro, Galeria de Arte Dinastia, 4 a 23 de Março de 1968".